terça-feira, 26 de março de 2013

FEIOS, PORCOS E MAUS





Compram aos catorze a primeira gravata
com as cores do partido que melhor os ilude.
Aos quinze fazem por dar nas vistas no congresso
da jota, seguem a caravana das bases, aclamam
ou apupam pelo cenho das chefias, experimentam
o bailinho das federações de estudantes.
Sempre voluntariosos, a postos sempre,
para as tarefas da limpeza após o combate.
São os chamados anos de formação. Aí aprendem
a compor o gesto, interpretar humores,
a mentir honestamente, aí aprendem a leveza
das palavras, a escolher o vinho, a espumar
de sorriso nos dentes, o sim e o não
mais oportunos. Aos vinte já conhecem pelo faro
o carisma de uns, a menos valia
de outros, enquanto prosseguem vagos estudos
de Direito ou de Economia. Começam, depois
disso, a fazer valer o cartão de sócio: estão à vista
os primeiros cargos, há trabalho de sapa pela frente,
é preciso minar, desminar, intrigar, reunir.
Só os piores conseguem ultrapassar esta fase.
Há então quem vá pelos municípios, quem prefira
os organismos públicos - tudo depende do golpe
de vista ou dos patrocínios que se tem ou não.
Aos trinta e dois é bem o momento de começar
a integrar as listas, de preferência em lugar
elegível, pondo sempre a baixeza acima de tudo.
A partir do Parlamento, tudo pode acontecer:
director de empresa municipal, coordenador de,
assessor de ministro, ministro, comissário ou
director executivo, embaixador na Provença,
presidente da Caixa, da PT, da PQP e, mais à frente
(jubileu e corolário de solvente carreira),
o golden-share de uma cadeira ao pôr-do-sol.
No final, para os mais obstinados, pode haver
nome de rua (com ou sem estátua) e flores
de panegírico, bombardas, fanfarras de formol.

JOSÉ MIGUEL SILVA,
Movimentos no Escuro,Relógio d'Água, Lisboa, 2005.

sábado, 23 de março de 2013

O país endoidou de vez



Não entendo... o homem ainda não falou e o pânico instalou-se!
Como é que não entendem que lhe estão a dar protagonismo?
E corto o meu pescoço se não vai toda a gente ver os ditos programas.
A RTP1 vai rebentar com as audiências e a culpa não é do Sócrates, ahahahahahahah!
O país, de repente, esqueceu-se que em democracia todos têm direito à palavra!!!

O PAÍS ENDOIDOU DE VEZ

sexta-feira, 22 de março de 2013

Recalcitrando de novo... amigos!




E pronto... aqui estou de novo recalcitrando, meu amigos!
Sim, desta vez vim para ficar, SIM!


Não sei é se vou ser capaz de retomar o ritmo de um "antigamente" tão próximo...
Não sei ainda qual o caminho que este novo blog vai tomar... os tempos são, cada vez mais, de recalcitrância e resiliência, de desesperança e revolta, e a amargura vai-se apoderando de futuro deste país.
Poesia ou política??? Ambas??? Desistir ou lutar?
E o desejo de regressar foi-se instalando... e aqui estou... às voltas com uma série de coisas novas no blogger que, por vezes, me deixam às aranhas... Quase não me entendo com tantas novidades, mas espero habituar-me depressa.
Irei visitar os amigos de sempre, e estarei presente tanto quanto me for possível.
O meu carinho e amizade para TODOS!!!


segunda-feira, 18 de março de 2013

Tenho para mim





Tenho para mim neste derrotado começo de século
neste farrapo de país em que a própria língua virá em
breve a ser idioma secreto
e a quem ninguém chamará pátria nem tão-pouco
nação, apesar da vigilância sobre a nossa existência
ser matéria autocrática e clerical

tenho para mim que nesta geografia
a casa rural é a expressão mais pura que sobrevive,
qualquer coisa ao alcance entre o castelo e a igreja, entre a cruz e o adro,
ornamento que sustenta o carácter da arte e da paisagem.
Expressão do movimento, de uma cor.

Ao fim do pátio, onde a alma da casa termina, está
uma taça de granito. Bebedouro de pássaros nos meses
quentes, cobre-se de medronhos
pelos cálidos dias outonais do verão de São Martinho.
Em oferta, do áspero amarelo ao quente laranja,
no contraste da pedra o meio dia intensifica de brilho

cambiantes vermelhos – rosa vivíssimo e sangue
esmagado – o calor abre em ouro o corpo do fruto,
insectos despertam de um íntimo, longínquo mundo de
treva, como se subissem da mais antiga morte, da mais profunda vida.


JOÃO MIGUEL FERNANDES JORGE
Mãe-do-Fogo
Relógio d’Água
(2009)